Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de junho, 2014

O Antes

Nicoletta Ceccoli - Corvi/Crows/Corvo Inconsciente foi a tua perda! E agora, só me restam os espectros De um pensamento aprisionado Pela fortuna que o tempo deserda. Deixaste-me só com meus medos, Escondidos num grito abafado De angústia. Encontro-me envolta Da ausência impetuosa que me cerca De anseios ilusórios dos quais sou intérprete. Quem me dera trazer-te de volta, Para não mais lamentar-te a perda E a angústia de não poder viver-te Novamente... Lizandra Souza.

Terror Noturno: A Autópsia de Emília

O Pesadelo -Nachtmahr- (1781): Johann Heinrich Füssli Já estava de manhã quando Emília tentou acordar, mas não conseguiu... Deitada na cama, ela sentia uma sensação desagradável de fatos que pareciam acontecer estranhamente distantes e ao mesmo tempo próximos de si. Emília tentou abrir os olhos, falar, mover as pernas, mas não conseguia, ela havia perdido os movimentos. Desesperada, tentou se mover, porém quanto mais ela tentava, com fracasso, se mover, mais se sentia presa à cama, como se seu corpo estivesse mais pesado e duro que o habitual. “E essas vozes dentro do meu quarto... Quem são essas pessoas?... não me toquem...”, pensava sofregamente, com uma sensação de peso no peito, ao escutar passos em sua volta. De repente, uma voz se tornou familiar, era Teresa, sua irmã mais velha. -Vocês vão levá-la, é mesmo necessário? Perguntou Tereza, chorando. -Sim, senhorita. “Me levar? Para onde?”, falava Emília para si mesma, ansiosa para saber o que estava acontecen

Presa do tempo

Paranoiac Visage (1935) - Salvador Dalí Efêmero, eu falhei ao buscar a sensação E a percepção de mim mesmo. Meu tempo é órfão Da permanência e da mudança do meu ser. Impotente, tenho um prazo do que sou E do que deixarei (indolente) de ser. O que serei? Até quando? Eu estou em curso como um rio ignoto... De caminhos estreitos e largos, entrelaçados. Se meus olhos não veem a fugacidade Do invisível que me envolve e que me subverte, O que farei? Criatura abandonada em caminhos confusos Cuja saída é uma só. Estou desorientado. Preso, sou uma presa do meu próprio tempo. Será que um dia ele me libertará? Para onde irei? Lizandra Souza.

Da libertação de Eva ou a profana comédia

 Femme libérée , Zuleta, Colombia Cansado da merda que essa civilização bestial dos últimos tempos tem feito com seu planeta, desde os primórdios até hoje em dia, do barro ao homo sapiens atual, o Todo Poderoso decidiu acabar de novo com toda forma de vida na Terra, não se importando nem (preferencialmente) com seus supostos aborrecíveis representantes, adoradores e seguidores, que viraram tudo poeira junto com os ímpios. Porém, três dias depois do fim dos tempos, Ele se sentia muito solitário e carente. Desejando o monólogo de alguém, para conversar. Foi então que Odin decidiu acabar com sua carência, baixo-estima e ego ferido, pegando um pote de barro e começando a modelar os novos e recriados primeiros cidadãos da Terra. “Esses não irão sair bugados como a espécie homo sapiens... sem falar nas mentiras da mitologia grega, romana e nórdica, povo burro... dessa vez os primeiros habitantes do novo paraíso não serão...”, monologava Odin, contente, ao modular “o primeiro novo

Tempos Estranhos de Poeira

James Ensor,  Skeletons Fighting for a Smoked Herring,  1891 Devagar e discreta, ela vem chegando, Com seu sorriso impetuoso, vem trazendo Minha ruína. Nefasta, não me dá escapatória, Ela já sabe que é senhora absoluta da vitória. Infausta e aleivosa, ela sussurra, quase que latente: “Está chegando os seus tempos estranhos de poeira”. Involuntariamente, meu corpo estremece... ardente. De corpo ausente, cesso ao ver sua face zombeteira. Sereno, consentindo a ela, eu dou um último grito. Ele sai calado, cheio da dolência que me afronta. Eu sou mais uma presa sua, esfinge que amedronta Suas presas privadas de existência. Outrora, eu, aflito, Perdia-me dentro do paradoxo do meu próprio tempo, Que passou a ser frio e silencioso. Agora, eu, entorpecido Entrego-me aos seus longos braços, que me deixam seduzido. O que será do resto de minhas partículas perdidas no tempo? Lizandra Souza.

O Cadáver

Collective Invention (1934) -  Rene Magritte   Definitivamente, ela estava morta. Seu corpo, gelado e inerte, tinha uma aparência sombria e, ao mesmo tempo, piedosa. Suas pernas, antes grossas, agora, estavam finas e esticadas.   Toin, olhando o cadáver de Matilde caído no chão do banheiro, sentia remorsos por tê-la matado. “Um ato cruel e banal, não havia necessidade de tal selvageria. E agora? Eu voltarei a ser um velho sozinho...”, pensava e chorava por tomar consciência de ter matado sua única companheira e amiga de todas as horas.   Toin era um velho solitário e carrancudo, morava numa pequena cidade do interior do Ceará. Por causa de seu gênio difícil, nunca tivera amigos. Toin, há quarenta anos, tinha chegado ao Ceará, sem família, sem intenção de formar uma, sem grandes posses, e de lá para cá permanecera sozinho.   Até que, há cinco meses, Matilde apareceu em sua vida, ou melhor, em sua casa. No princípio, isso incomodou bastante o homem, que já estava a

Fuga...

Vladimir Kush: Departure of the winged ship Vou fugir, vou fugir! Quero me encontrar Quem sabe outro lugar? Daqui eu quero sair. Vou fugir, vou fugir! Preciso me esconder Para me encontrar... E longe daqui me perder. Vou fugir, vou fugir! E como o feliz passarinho Voltando ileso ao seu ninho Eu vou voar, vou voar. Vou fugir, vou fugir! E tudo eu posso fazer, Até um infinito amanhecer Não deixando o sol ir. Vou fugir, vou fugir! E um golfinho eu vou ser Se lá no fundo do mar, Poseidon eu encontrar. Vou fugir, vou fugir! E em outro lugar Eu vou brincar De o impossível transgredir. Vou fugir, vou fugir! Quando o firmamento alcançar, Com a lua eu vou me vestir, Para com a estrela Naos dançar. Vou fugir, vou fugir! Para dentro de mim... achar Quimeras de um lugar Que só eu posso traduzir. Vou fugir, vou fugir! E a imaginação rabiscar No papel um lugar Que não se possa medir. Vou fugir, vou fugi