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Mostrando postagens de 2014

A memória do tempo...

Imagem: The walking lesson -  Jacek Yerka Escuro. O teu silêncio cai Com o sol. A luz não nasce E fica tudo frio, Meus olhos cheios de dor E os teus de vazio. Desordem. Aquela velha lembrança do tempo, Que esconde o seu nome em mim, Numa falsa sensação de que a dor Vai se apagar junto com as cinzas, No dia de chuva, no dia de chuva. Dor que não adormece. A memória do tempo permanece (Com todas as suas prisões). Tempo amargo a gente não esquece Até se esgotar o tempo da memória. A memória do tempo caleja O tempo da memória, O tempo da dor.  Lizandra Souza.

Gaiola

Ilustração: Eldes " Querer-se livre é também querer livres os outros ." - Simone de Beauvoir. Triste passarinho Escravizaram sua canção. Antes no céu habitava E agora, só voa na imaginação. Triste passarinho Mal saiu do delicado ninho De repente sentiu a privação E a dor! A dor de pedras, Pedras malvadas, pedras medíocres Atiradas em seu coração. Triste passarinho Com um cruel disparo Tiraram sua liberdade. Voltar para seu ninho? Já não pode mais! Voar? Já não pode mais! Triste passarinho De asas cortadas De pernas machucadas, De coração ferido, Sonho ferido... Seu desejo de liberdade Sangra de suas feridas. Ele só enxerga a solidão. Lizandra Souza.

Uma folha solta...

The Starry Night - A noite estrelada -  (1889) -  Vincent van Gogh. Noite estrelada. Uma menina com olhos de lua Viu um ramo verde cochilar E uma folha cair, sorrateira, Da árvore prematura. Com pensamentos  insólitos Ela guardou a folha solta Dentro de um livro Em que as palavras Doces se abrigam E se encontram. De súbito, ela joga o livro Dentro de um rio. Seu desejo:  vê-lo desaguar. Menina do coração rebelde, Rebelde me deixou agora. E agora? A água revolta. A poesia transborda... Dentro e fora de mim. Lizandra Souza.

A sombra perdida da noite.

Imagem: Tommy Ingberg Pensamentos. Devaneios Escuros, Secretos, Escondidos, Em mim. No fim. Existência, Pintura da sombra Perdida da noite. Só há noite. Eu só quero a noite. Eu serei a sombra Perdida da noite. Sinto-me distante Do amanhã. Não haverá manhã. O caminho, O desvio. O vazio Dos dias T ardios, Sentidos Da brisa do vento. Ela traz o ruído Das folhas E das recordações Caídas no chão. Logo estarei  Nas mãos do chão. Lizandra Souza.

Mar gem

Pensamento Nas asas De um pássaro.                                 Vai e vem. Vem e vai. Nus Os pés Na areia. Vão e vêm.                                 Vêm e vão. Olhar De cores Transparentes.                    Andando Na margem                    Do mar O vento Traz     A onda  Cheia      De onda                Que  Perturba            O meu Caminhar Lizandra Souza.

Ainda não deram um título!

Vladimir Kush - Sunrise by the ocean Perdidos, nós nos encontramos Aqui. Introvertidos, nós procuramos Sair. E não há mais saída, já somos Alguma coisa que eles nos dizem Que (supostamente) somos Ou que deveríamos Ser. Ser? Deveríamos? Grito, ele sai da alma. Sorriso, de olhares profundos. Ambos, secretos. Não querem ser conhecidos. Perdidos?  Se não nos encontramos, Quem mais nos encontrará? Mistérios nos envolvem. O pensamento, preso, luta em busca De algo que para ele será a liberdade Que vem das liberdades... O inquestionável  é o que não vale a pena. Ele nos prende e nos limita A imitar... Alguém nos colocou Aqui. E pronto! Lá correm eles, Invariáveis  e  variáveis, Nos apontando a Ordem Que nos causa uma desordem Por causa da sua terceira face. Mas sabemos que há algo De mais intrínseco Que foge dos contratos, Armados! Estamos em caminhos De espinhos Disfarçados De flores Que ora choram s

DiVida

Lizandra Souza (2014). Na partida  Da avenida   Da vida    Divida     A dívida      Doída       Ouvida        Da ferida         Corrida          Na ida           Comprida            Da vida             Desconhecida               Na...  Saída. Lizandra Souza.

O Antes

Nicoletta Ceccoli - Corvi/Crows/Corvo Inconsciente foi a tua perda! E agora, só me restam os espectros De um pensamento aprisionado Pela fortuna que o tempo deserda. Deixaste-me só com meus medos, Escondidos num grito abafado De angústia. Encontro-me envolta Da ausência impetuosa que me cerca De anseios ilusórios dos quais sou intérprete. Quem me dera trazer-te de volta, Para não mais lamentar-te a perda E a angústia de não poder viver-te Novamente... Lizandra Souza.

Terror Noturno: A Autópsia de Emília

O Pesadelo -Nachtmahr- (1781): Johann Heinrich Füssli Já estava de manhã quando Emília tentou acordar, mas não conseguiu... Deitada na cama, ela sentia uma sensação desagradável de fatos que pareciam acontecer estranhamente distantes e ao mesmo tempo próximos de si. Emília tentou abrir os olhos, falar, mover as pernas, mas não conseguia, ela havia perdido os movimentos. Desesperada, tentou se mover, porém quanto mais ela tentava, com fracasso, se mover, mais se sentia presa à cama, como se seu corpo estivesse mais pesado e duro que o habitual. “E essas vozes dentro do meu quarto... Quem são essas pessoas?... não me toquem...”, pensava sofregamente, com uma sensação de peso no peito, ao escutar passos em sua volta. De repente, uma voz se tornou familiar, era Teresa, sua irmã mais velha. -Vocês vão levá-la, é mesmo necessário? Perguntou Tereza, chorando. -Sim, senhorita. “Me levar? Para onde?”, falava Emília para si mesma, ansiosa para saber o que estava acontecen

Presa do tempo

Paranoiac Visage (1935) - Salvador Dalí Efêmero, eu falhei ao buscar a sensação E a percepção de mim mesmo. Meu tempo é órfão Da permanência e da mudança do meu ser. Impotente, tenho um prazo do que sou E do que deixarei (indolente) de ser. O que serei? Até quando? Eu estou em curso como um rio ignoto... De caminhos estreitos e largos, entrelaçados. Se meus olhos não veem a fugacidade Do invisível que me envolve e que me subverte, O que farei? Criatura abandonada em caminhos confusos Cuja saída é uma só. Estou desorientado. Preso, sou uma presa do meu próprio tempo. Será que um dia ele me libertará? Para onde irei? Lizandra Souza.

Da libertação de Eva ou a profana comédia

 Femme libérée , Zuleta, Colombia Cansado da merda que essa civilização bestial dos últimos tempos tem feito com seu planeta, desde os primórdios até hoje em dia, do barro ao homo sapiens atual, o Todo Poderoso decidiu acabar de novo com toda forma de vida na Terra, não se importando nem (preferencialmente) com seus supostos aborrecíveis representantes, adoradores e seguidores, que viraram tudo poeira junto com os ímpios. Porém, três dias depois do fim dos tempos, Ele se sentia muito solitário e carente. Desejando o monólogo de alguém, para conversar. Foi então que Odin decidiu acabar com sua carência, baixo-estima e ego ferido, pegando um pote de barro e começando a modelar os novos e recriados primeiros cidadãos da Terra. “Esses não irão sair bugados como a espécie homo sapiens... sem falar nas mentiras da mitologia grega, romana e nórdica, povo burro... dessa vez os primeiros habitantes do novo paraíso não serão...”, monologava Odin, contente, ao modular “o primeiro novo

Tempos Estranhos de Poeira

James Ensor,  Skeletons Fighting for a Smoked Herring,  1891 Devagar e discreta, ela vem chegando, Com seu sorriso impetuoso, vem trazendo Minha ruína. Nefasta, não me dá escapatória, Ela já sabe que é senhora absoluta da vitória. Infausta e aleivosa, ela sussurra, quase que latente: “Está chegando os seus tempos estranhos de poeira”. Involuntariamente, meu corpo estremece... ardente. De corpo ausente, cesso ao ver sua face zombeteira. Sereno, consentindo a ela, eu dou um último grito. Ele sai calado, cheio da dolência que me afronta. Eu sou mais uma presa sua, esfinge que amedronta Suas presas privadas de existência. Outrora, eu, aflito, Perdia-me dentro do paradoxo do meu próprio tempo, Que passou a ser frio e silencioso. Agora, eu, entorpecido Entrego-me aos seus longos braços, que me deixam seduzido. O que será do resto de minhas partículas perdidas no tempo? Lizandra Souza.

O Cadáver

Collective Invention (1934) -  Rene Magritte   Definitivamente, ela estava morta. Seu corpo, gelado e inerte, tinha uma aparência sombria e, ao mesmo tempo, piedosa. Suas pernas, antes grossas, agora, estavam finas e esticadas.   Toin, olhando o cadáver de Matilde caído no chão do banheiro, sentia remorsos por tê-la matado. “Um ato cruel e banal, não havia necessidade de tal selvageria. E agora? Eu voltarei a ser um velho sozinho...”, pensava e chorava por tomar consciência de ter matado sua única companheira e amiga de todas as horas.   Toin era um velho solitário e carrancudo, morava numa pequena cidade do interior do Ceará. Por causa de seu gênio difícil, nunca tivera amigos. Toin, há quarenta anos, tinha chegado ao Ceará, sem família, sem intenção de formar uma, sem grandes posses, e de lá para cá permanecera sozinho.   Até que, há cinco meses, Matilde apareceu em sua vida, ou melhor, em sua casa. No princípio, isso incomodou bastante o homem, que já estava a