Augusto, aflito, relia, pela trigésima vez, na tela de seu computador,
o trecho de uma notícia sobre um pequeno incêndio que ocorreu nesta manhã, em
seu trabalho. “Era para eu ter morrido, ainda bem que fiquei em casa... ah,
amanhã eu quero ver a cara do Paulo, da Marta, do Antônio e dos outros quando
eu explicar que não fui ao trabalho hoje porque sonhei que iria morrer neste
dia, ah, agora quero ver se eles ainda vão rir ou fazer avacalhações com minhas superstições...”, pensava, desvairado.
***
Augusto, desde criança, acredita no poder e nas revelações
dos sonhos como premonições ou avisos celestiais, isso desde o dia em que ele
sonhou que estava fazendo xixi e, ao acordar, notou que realmente fazia
xixi na cama. Uma vez, sonhou que tiraria zero numa prova de matemática e que
levaria uma surra de seu pai como castigo, ele acreditou tanto nisso que, conformado, não estudou para a dita prova e comprovou seu sonho, tirando um
zero e levando uma coça. Quando seu tio Afonso perdeu uma perna - em um trágico
acidente - Augusto sonhou que seu tio nunca mais voltaria a andar de bicicleta,
e ele estava certo, seu tio Afonso nunca mais andou... Um dia, sonhou que
estava chovendo, quando acordou, feliz, percebeu pelos pingos nas telhas da
casa que realmente chovia.
Na adolescência foi a mesma situação. Tudo que Augusto
sonhava, para ele, tinha alguma simbologia. Seus pais quiseram, inicialmente,
levá-lo para um psicólogo, mas depois que Augusto sonhou que eles ganhariam um
frango no bingo da igreja e (depois de terem comprado vinte e
três cartelas, no valor de 115 reais) eles realmente ganharam um frango com
farofa e um refrigerante de uva no bingo, decidiram agradecer a divindade pelo
dom de seu filho prodígio e esquecer o assunto do psicólogo. Assim, o
tempo passou, Augusto foi desenvolvendo "seu dom", cada vez mais
confiando em seus sonhos como avisos.
***
Nesses dias, Augusto sonhou que estava doente porque
excedia no açúcar de sua alimentação, no dia seguinte fez exames e descobriu
que tinha diabetes. Outra noite sonhou que sua esposa estava lhe traindo, no
dia seguinte pediu o divórcio, a mulher logo aceitou, desesperado, concluiu que
a mulher amava outro. Foi então que, Augusto, teve o pior dos sonhos. Sonhou,
na noite passada, que morreria no dia seguinte. O homem acordou de madrugada
aos prantos. Não queria acreditar que o fim tinha chegado. Que uma vida inteira
de sonhos e simbologias o levaria a conhecer o dia de sua morte, tão prematura.
Augusto não conseguia mais dormir, tentou rezar, mas não
adiantou. Só lhe vinha á cabeça sua imagem dentro de um caixão, vendo seu
próprio velório e não conseguindo se mover, respirar, falar, gritar que não
queria ser enterrado. Foi então que o homem decidiu não sair de casa naquele
dia. E foi o que ele fez, passou o dia no quarto, perto do telefone e do
computador, para saber as notícias do dia ou receber as reclamações de seus
superiores por ter faltado o trabalho sem aviso prévio.
Quando Augusto, por volta do meio-dia, leu a notícia de um
incêndio em seu trabalho, ocorrido pela manhã, logo se desesperou, pois viu que
tinha razão, era a morte querendo pegá-lo. A tragédia não deixou feridos, logo
o homem supôs que era natural, pois era apenas o “seu dia”.
Ele passou a manhã e a tarde relendo o trecho principal
da notícia e fazendo relações com o sonho que teve na noite passada. Sentia-se mal, enjoado, com muita dor de cabeça. Resolveu tomar banho, mas teve
medo de sair da cama. “Vai que eu escorrego... ah, não, hoje não vou me expor
ao perigo...”, pensou, e desistiu do banho. Ele estava com fome, mas ir até a
cozinha para fazer comida “também era arriscado demais...”.
Á noite chegou e com ela o alívio de Augusto. Agora ele poderia
descansar seus pensamentos e pensar no dia de amanhã. Com o fim deste dia a
premonição de seu sonho se findaria e ele poderia voltar com suas atividades
cotidianas normais. “Ah, agora eu vou dormir, mesmo que essa fome atrapalhe meu
sono, eu sei que terei uma boa noite, minha vida agora está salva... Amanhã
ninguém vai acreditar quando eu contar o que sonhei e o que fiz para
sobreviver...”, pensava em como contaria à seus amigos sua grande façanha.
Ele sentiu um aperto no peitou, fechou os olhos para
dormir. Sentiu um frio calmo em sua espinha, um vento leve por seus ouvidos.
Tentou abrir os olhos, mas não conseguiu. “Deve ser o sono, finalmente,
chegando...”, refletiu. Em seguida veio uma lembrança perturbadora,
involuntária, em sua mente. Ele esqueceu-se de tomar os remédios e a insulina
para o diabetes. “Ai, mas eu estou me sentindo bem, acho que não vai fazer mal
eu não ter tomado hoje, afinal, escapei de situação pior...”, pensou.
De repente uma luz iluminou sua mente. E novamente sentiu
um aperto no peito, dessa vez mais forte. Ele suspirou. Sentiu-se estranhamente
calmo, sereno, mas com vontade de gritar bem alto. “Ah, é o sono, amanhã eu...”.
Augusto dormiu... Para sempre!
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