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A última gota

Imagem da internet/Autor desconhecido.

Ele caminhava sem pressa debaixo da chuva. As portas das casas iam se fechando na medida em que ele passava. Usava roupas simples, calção jeans e camiseta preta. Ele olhou para o lado da calçada onde ficava um pequeno mercado. No mesmo instante, passou duas crianças correndo na direção contrária a sua, ele as olhou fixamente, elas pareciam se divertir, enquanto as pessoas procuravam abrigo para não se molhar.

Ele andou até uma pequena lojinha, cheia de gente se abrigando da chuva. Lá não tinha espaço para ele, percebeu isso quando entrou e as pessoas o olharam tensas e preocupadas, talvez enojadas. Uma moça razoavelmente bonita aproximou-se dele, dizendo que não a levasse a mal, mas a sua companhia não era bem-vinda ali, pois ele estava desagradando os clientes.  Ele abaixou a cabeça e foi andando em direção à saída, olhou mais uma vez para trás, a moça já não o olhava, estava sentada bebendo café e oferecendo aos clientes soberbos.

Chegando novamente à rua, percebeu que quase não chovia mais. Ele olhou fixamente para o céu e de lá observou uma gota caindo lentamente, estendeu uma mão para pegá-la. Conseguiu e a sensação que teve foi a de receber um carinho. Fingiu que a gota era sua companhia e deixou-a guiá-lo pelas ruas. 

A chuva já tinha se esgotado por completo, agora o céu brilhava com a luz do sol. No parque, avistou um casal de velhinhos rindo e conversando, há quanto tempo ele não ria ou conversava com alguém? Do lado, alguns cachorros corriam animados, aproveitando a brisa que a chuva deixou. Notou também várias crianças se divertindo: correndo, brincando com bonecos e carrinhos, se sujando nas poças de água deixadas pela chuva, comprando doces e salgados. Crianças sendo crianças. 

Uma menininha escorregou na calçada úmida e logo uma mulher correu para ajudá-la, fazendo-lhe carinhos para que a pequena não chorasse, provavelmente era a sua mãe. Reparou ainda em um homem e dois garotinhos muito parecidos, brincando com uma bola de futebol.

De repente, ele sentiu algo tocando nos seus pés, era a bola, o menino veio em sua direção. De imediato, ele entregou o pertence ao garoto, que sorriu e saiu correndo, chamando pela atenção do pai. 

Era tão estranho observar a alegria daquelas crianças brincando, se divertindo, com seus pais e brinquedos. E ele? E a sua infância? Ninguém o enxergava. O vento novamente soprou algo em seus pés, desta vez era um panfleto com uma breve mensagem comemorativa ao dia das crianças. Como não sabia ler, deteve a atenção na imagem de um neném no colo da mãe. Se sentiu profundamente triste, alguma coisa dentro de si sabia que essa era uma daquelas tristezas que o tempo não cura. Baixou a cabeça e saiu andando lentamente, deixando cair a última gota de esperança de um de seus olhos. 


Lizandra Souza.

Comentários

  1. UAU que texto lindo e cheio de significado, garota! Meus olhos estavam sentindo gotas dessas,de esperança, muito lindo :')
    AAH ,eu também, faz tempo que não leio Meg :')
    Muito obrigada, querida
    Boasemana!
    Um beeijo!
    Pâm
    http://interruptedreamer.blogspot.com.br/

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    1. Oi Pâm, obrigada a você também... Que bom que você gostou do conto, e que entendeu o significado da gota, ótima semana para você também, linda, beijo : )

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  2. Que lindo, as vezes julgamos as pessoas e nem sabemos pelo ue ela passa.
    beijos

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    1. Oi Lola, que bom que gostou, obrigada pela visita, beijo : )

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  3. Que conto triste e terno, Lizandra. Triste realidade essa dos excluídos, dos desafortunados da sorte.

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