Parte I – Laços de Família
A família, constituída de três irmãos de pais bastardos,
duas sobrinhas gêmeas, um filho ilegítimo, dois primos "fugitivos" e
quatro netos, já estava ficando cansada de tanto esperar (e desejar!) pela
morte de Seu Cotinho (outro membro da família), idoso de 82 anos. Este nem em
sonho imaginava o que a corja de sua prole mais desejava na vida, que era sua
morte, para assim se apoderar de seu “tesouro” precioso.
Seu Cotinho apesar da idade avançada esbanjava saúde. Era o
habitante mais prestigiado da cidadezinha em que vivia desde os três anos, isso
porque Seu Cotinho era honesto e de bom caráter. Além disso, era dono da maior
fazenda da região, que conseguira com o suor de seu rosto. Seu Cotinho se
orgulhava de mostrar as mãos calejadas, resultadas do trabalho duro na roça.
Nunca ninguém vira ou ouvira alguma maledicência a seu respeito, a não ser as
calúnias dos matreiros e vagabundos que viviam rondando sua propriedade com o
intuito de roubar o seu grande “tesouro”.
O grande “tesouro” de Seu Cotinho era um mistério. Ninguém
nunca o vira, mas todos sabiam que ele existia, pois seu dono sempre carregava
consigo uma pequena caixa de madeira marrom, trancada a cadeado. Os
familiares de Seu Cotinho já fizeram de tudo para saber o valor da quantia:
choraram, se descabelaram, praguejaram, brigaram, latiram, urraram, atearam
fogo no próprio corpo e nada disso fez Seu Cotinho revelar a quantia.
Certo dia, dois primos de Seu Cotinho, Zildo das Graças e
Zé dos Santos, fugiram para a Paraíba juntos e nunca mais se soube notícias
deles pela região. A família se aproveitou do caso amoroso e colocou a culpa em
Seu Cotinho, por causa do mistério da quantia e no egoísmo de escondê-la para
si.
***
Seu Cotinho não era sovina, sustentava a família
desempregada há anos. A única coisa que ele negava a família era a posse de seu
“tesouro”, que nunca seria de ninguém, pois quando morresse levaria consigo sua
caixinha marrom. Todos, é lógico, discordavam desse “absurdo”:
--- Mas para que você quer levar dinheiro para o outro
mundo meu querido irmão? Dizia seu irmão bastardo mais velho, o chefe da
hipocrisia.
--- Não é da sua “conta”, e nem será! Exclamava Seu Cotinho
com raiva.
--- Isso é pecado papai, olhe que Deus não vai lhe receber
em seu reino com tanto egoísmo e apego ao ouro que o senhor tem... Reclamava o
dissimulado do único filho de Seu Cotinho.
--- Cale a boca bastardo, não meta Deus nos seus
interesses... Deixarei para vocês minha fazenda e as casas de alugueis, mas no
meu tesouro precioso ninguém toca! Exclamava novamente o dono da fazenda.
Enquanto a discussão se seguia, os outros dois irmãos de
pais bastardos, as duas sobrinhas gêmeas, e os quatro netos perdiam as
esperanças de se apossar do tão sonhado, cobiçado, estimado e desejado grande
“tesouro”. Ao que parecia, Seu Cotinho iria mesmo se enterrar com o ouro, os
diamantes, o dinheiro...
***
A família: os três irmãos de pais bastardos, as duas
sobrinhas gêmeas, o filho ilegítimo e os quatro netos, se encontraram a noite
na varanda para discutir sobre os fatos e chances de ganhar ou perder o grande
“tesouro”.
--- Ele vai contratar um advogado amanhã, para fazer um
documento exigindo que seu tesouro seja enterrado consigo no dia de sua morte.
Falava o irmão mais velho, o chefe dos hipócritas, com os olhos cheios de água.
Todos ficaram perplexos e atordoados, ninguém queria
acreditar inicialmente no que seus ouvidos ouviram, era o fim de seus sonhos de
riqueza. Todos pensavam que quando Seu Cotinho morresse, ficariam com sua
riqueza de herança e que jamais cumpririam a vontade do morto de enterrar seu
grande “tesouro” consigo. Mas agora a situação era outra, pois haveria um
documento legal que possibilitaria a loucura e último desejo de Seu
Cotinho.
Não quiseram acreditar, mas acabaram acreditando e quando
acreditaram de verdade que poderiam perder o “tesouro” armaram o crime desleal
e perverso contra aquele que lhes acolhera em sua casa há anos.
Parte II – Crime
Eles não tinham muito tempo, já era tarde
da noite, logo amanheceria e Seu Cotinho iria procurar seu advogado para
redigir o documento sobre o destino de seu grande e cobiçado “tesouro”. Os
abutres não perderam tempo e friamente executaram o perverso crime.
***
A vítima estava dormindo, quando seu
quarto foi invadido por sua família: os três irmãos de pais bastardos, as duas
sobrinhas gêmeas, o filho ilegítimo e os quatro netos, todos com um único
objetivo: matar o fazendeiro, que deu seu último suspiro de vida brutalmente,
após ser estrangulado por...
O corpo jazia na cama, a boca aberta, os
olhos esbugalhados e inertes, o semblante arroxeado, ou talvez esverdeado, ou
uma mistura dos dois, transfigurado e metamorfoseado em algo que não parecia em
nada com aquele velhinho robusto de dez minutos atrás.
A família que antes do crime estava
atordoada, tensa e preocupada, agora estava tranquila, diria até que feliz, nem
tinham consciência de que cometeram um crime tão malvado quanto os de
Grenouille, personagem que há três dias criticaram, depois de assistir a um
filme baseado em um romance alemão...
***
No dia seguinte a dissimulada família
fingiu um suposto assalto na fazenda, todos acreditaram, pois não era a
primeira vez que tentavam roubar o grande “tesouro” de Seu Cotinho, porém dessa
vez algo mais grave aconteceu, é que o “ladrão” assassinara o dono da fazenda,
frustrado por não achar a riqueza desejada.
Parte III – Castigo
Depois do corpo enterrado, todos pararam
com as lamentações e aclamações a Seu Cotinho e voltaram a suas vidinhas
enfadonhas. “A vida tem que continuar”, “Deus quis assim”, “Já estava na hora”,
eram as palavras de conforto que as pessoas da cidadezinha davam a família de
Seu Cotinho, porém os três irmãos de pais bastardos, as duas sobrinhas gêmeas,
o filho ilegítimo e os quatro netos não se importavam nem um pouco com as
lamentações do luto, seus pensamentos eram voltados apenas para a caixinha
marrom guardada no cofre da fazenda.
Quando voltaram para casa foi um
escândalo, uma gritaria, uma baderna, uns empurrando os outros pelos cotovelos
e calcanhares, com o objetivo de chegar primeiro no cofre e se apossar do
“tesouro”. Foi então que os três irmãos de pais bastardos, as duas sobrinhas
gêmeas, o filho ilegítimo e os quatro netos chegaram ao mesmo instante e
pegaram o grande “tesouro”.
--- Vai... Abre logo essa caixa... Gritava
estonteante o irmão mais velho para o filho bastardo.
Ao abrir a caixinha marrom que continha o
grande e estimado “tesouro” de Seu Cotinho, todos ficaram perplexos e
exasperados ao encontrarem dentro apenas uma foto da falecida esposa de Seu
Cotinho, Dona Cotoquinha, a não mãe do filho bastardo.
--- Mas não é nem a da minha mãe... Falava
chorando desesperado o filho bastardo.
***
Assim morreu Seu Cotinho, vítima de uma
família cruel de três irmãos de pais bastardos, de duas sobrinhas gêmeas, de um
filho ilegítimo e de quatro netos, uma corja de abutres interesseiros, que
negaram a Seu Cotinho seu último desejo, que era de ser enterrado junto de seu
grande “tesouro”.
Lizandra Souza.
Oi Lizandra....tudo bem?
ResponderExcluirSeus textos são sempre ótimos, muito bem escrito.Nossa, com um familia assim, quem precisa de inimigos né. Até fiquei com dó dele.
Super beijo,
Sah Errera
Blog Sabrina Errera
Tudo bem, que bom que gostou!
ExcluirSeus posts e dicas também são ótimos!
Beijos!
Lola me encantó que mensaje has dejado tan profundo y sabio , tanto maldad y egoismo para él su tesoro era el amor de su vida muy bello cuento y muy bien logrado me atrapaste de principio a fin , un abrazo desde mi brillo del mar
ResponderExcluirQue bom que gostou Beatriz, muito obrigada : )
ExcluirAbraços!!!
Lizandra, o que posso dizer, amei esse conto e fiquei presa nele sempre querendo saber o que era o tesouro dele.
ResponderExcluirdesfecho surpreendente.
beijos
Obrigada Lola : )
ExcluirBeijos!