Fortaleza
- CE, 3 de Dezembro de 2013
Olá meu caro único amigo Carlos Antônio:
Você deve estar estranhando receber esta
correspondência, deve estar surpreso ou quem sabe até chateado, mas eu te
entendo... Quero que saiba que também estou surpreso, não imaginava que depois
dos últimos acontecimentos eu ainda tivesse coragem e força para escrever
algumas linhas expiatórias.
Ah, como minha vida vem sendo difícil,
qualquer um em meu lugar já teria tirado a própria vida... Mas não vou entrar
mais nessas questões amarguradas e sofridas de minha infeliz existência, você
mais do que qualquer pessoa neste mundo sabe o que eu sofro... Na verdade,
somente você meu caro Carlos, sabe de meu sofrimento.
Não, não quero sua piedade, sua pena. Este
velho solitário e abandonado pela vida não merece este sentimento pequeno,
desprezível que só é dado aos fracos... Sim, somente os fracos merecem a
piedade alheia, a pena. Você até agora deve se estar perguntando o porquê
escrevo estas coisas sem nexo, e qual é o assunto desta carta, última carta,
que te escrevo... Pois bem meu amigo, eu senti a necessidade destas últimas
palavras, de um adeus antecipado ao restante dessa vida. E quem mais poderia eu
contar para desabafar? Quem mais saberia do meu sofrimento? Do meu carma? Do
quanto eu venho padecendo, quem poderia imaginar?
Nestes últimos quinze anos, vivendo (ou
sobrevivendo) neste Asilo, somente você é que tem tempo para este velho
solitário... Ah, mesmo tendo ao meu redor outros velhos, me sinto sozinho...
Sem ninguém, mas não é isso a velhice? A solidão?
...O desprezo de quem antes você cuidava,
amava, ajudava...
Minha amada Isaura quando morreu levou
consigo minha vida, minha felicidade... Meu tudo... Eu existo? Sim, mas não
vivo...
Hoje cedo o Doutor veio ver como eu estava
passando. Ele não falou nada, absolutamente nada, mas seus olhos estreitos me
disseram que o fim está muito próximo... A doença vem me corroendo a cada
dia... Eu não ligo...
Marcela me ligou, você acredita? Pode
acreditar meu amigo, pois ela ligou para cá. Depois de treze anos sem notícias,
sem abraços, sem uma palavra de afeto, minha filha ingrata quis ouvir a voz de
seu pai, de seu velho pai... Não, não fique feliz, assim você me ofende...
Ofende minha honra. Eu não falei com Marcela, não quis. Eu sei que você me
apoia. Você sabe o que eu passei nestes anos de solidão, sabe o quanto chorei,
o quanto vivia esperando uma visita no natal, no fim de ano... No
aniversário... Nas noites brancas...
Minha filha ligou porque a diretora a
ameaçou de processo por abandono... Ouvi uma conversa que ela teve com a
enfermeira Bete... Elas falaram na minha frente, não se preocuparam com o que
eu ouvia... Eu não passo de um velho “louco” no fim da vida... Eu não sou
louco, não perdi minha lucidez! Porém, todos aqui não acreditam, e isso piorou
quando me neguei a falar com Marcela, minha filha ingrata que me abandonou
neste lugar terrível, que só me visitou sete vezes nos primeiros anos de
moradia e que se cansou deste pai que a amava de todo coração... “Ele está
insano, não lembra mais nem da própria filha...” falava a diretora do Asilo. Eu
não contestei minha sanidade, pois naquele momento até eu mesmo pensei ter me
esquecido de Marcela... Ter me esquecido de uma filha que me esqueceu por quase
quinze anos e que só me telefonou para evitar um problema judicial.
Mas não quero mais falar de Marcela...
Eu te agradeço pelo companheirismo durante
estes longos anos, se não fosse por sua companhia eu não teria com quem “falar”
meu último adeus... Obrigado meu caro amigo Carlos por sua amizade, termino
esta carta como minha vida agora... Não, não chore! Eu não mereço esse
infortúnio...
Receba este adeus de seu amigo e
confidente Carlos Antônio... De mim para mim.
Lizandra Souza.
Excelente relato !! que nos va metiendo la historia , un soledad muy dura que habla consigo mismo de sus miserias, de sus desengaños en algún lugar perdido de algún asilo , hablando consigo mismo uuffff triste , y bellamente escrita, me gusto mucho , un abrazo fuerte desde mi brillo del mar
ResponderExcluirObrigada Beatriz *_* vejo que você entendeu realmente o que eu quis passar!
ExcluirAbraços
Adorei, quem sabe melhor de nós do que nós mesmos?
ResponderExcluirbeijos
Isso mesmo : )
ExcluirBeijos