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Postagens

O Antes

Nicoletta Ceccoli - Corvi/Crows/Corvo Inconsciente foi a tua perda! E agora, só me restam os espectros De um pensamento aprisionado Pela fortuna que o tempo deserda. Deixaste-me só com meus medos, Escondidos num grito abafado De angústia. Encontro-me envolta Da ausência impetuosa que me cerca De anseios ilusórios dos quais sou intérprete. Quem me dera trazer-te de volta, Para não mais lamentar-te a perda E a angústia de não poder viver-te Novamente... Lizandra Souza.

Terror Noturno: A Autópsia de Emília

O Pesadelo -Nachtmahr- (1781): Johann Heinrich Füssli Já estava de manhã quando Emília tentou acordar, mas não conseguiu... Deitada na cama, ela sentia uma sensação desagradável de fatos que pareciam acontecer estranhamente distantes e ao mesmo tempo próximos de si. Emília tentou abrir os olhos, falar, mover as pernas, mas não conseguia, ela havia perdido os movimentos. Desesperada, tentou se mover, porém quanto mais ela tentava, com fracasso, se mover, mais se sentia presa à cama, como se seu corpo estivesse mais pesado e duro que o habitual. “E essas vozes dentro do meu quarto... Quem são essas pessoas?... não me toquem...”, pensava sofregamente, com uma sensação de peso no peito, ao escutar passos em sua volta. De repente, uma voz se tornou familiar, era Teresa, sua irmã mais velha. -Vocês vão levá-la, é mesmo necessário? Perguntou Tereza, chorando. -Sim, senhorita. “Me levar? Para onde?”, falava Emília para si mesma, ansiosa para saber o que estava acontecen...

Presa do tempo

Paranoiac Visage (1935) - Salvador Dalí Efêmero, eu falhei ao buscar a sensação E a percepção de mim mesmo. Meu tempo é órfão Da permanência e da mudança do meu ser. Impotente, tenho um prazo do que sou E do que deixarei (indolente) de ser. O que serei? Até quando? Eu estou em curso como um rio ignoto... De caminhos estreitos e largos, entrelaçados. Se meus olhos não veem a fugacidade Do invisível que me envolve e que me subverte, O que farei? Criatura abandonada em caminhos confusos Cuja saída é uma só. Estou desorientado. Preso, sou uma presa do meu próprio tempo. Será que um dia ele me libertará? Para onde irei? Lizandra Souza.

Da libertação de Eva ou a profana comédia

 Femme libérée , Zuleta, Colombia Cansado da merda que essa civilização bestial dos últimos tempos tem feito com seu planeta, desde os primórdios até hoje em dia, do barro ao homo sapiens atual, o Todo Poderoso decidiu acabar de novo com toda forma de vida na Terra, não se importando nem (preferencialmente) com seus supostos aborrecíveis representantes, adoradores e seguidores, que viraram tudo poeira junto com os ímpios. Porém, três dias depois do fim dos tempos, Ele se sentia muito solitário e carente. Desejando o monólogo de alguém, para conversar. Foi então que Odin decidiu acabar com sua carência, baixo-estima e ego ferido, pegando um pote de barro e começando a modelar os novos e recriados primeiros cidadãos da Terra. “Esses não irão sair bugados como a espécie homo sapiens... sem falar nas mentiras da mitologia grega, romana e nórdica, povo burro... dessa vez os primeiros habitantes do novo paraíso não serão...”, monologava Odin, contente, ao modular “o prime...

Tempos Estranhos de Poeira

James Ensor,  Skeletons Fighting for a Smoked Herring,  1891 Devagar e discreta, ela vem chegando, Com seu sorriso impetuoso, vem trazendo Minha ruína. Nefasta, não me dá escapatória, Ela já sabe que é senhora absoluta da vitória. Infausta e aleivosa, ela sussurra, quase que latente: “Está chegando os seus tempos estranhos de poeira”. Involuntariamente, meu corpo estremece... ardente. De corpo ausente, cesso ao ver sua face zombeteira. Sereno, consentindo a ela, eu dou um último grito. Ele sai calado, cheio da dolência que me afronta. Eu sou mais uma presa sua, esfinge que amedronta Suas presas privadas de existência. Outrora, eu, aflito, Perdia-me dentro do paradoxo do meu próprio tempo, Que passou a ser frio e silencioso. Agora, eu, entorpecido Entrego-me aos seus longos braços, que me deixam seduzido. O que será do resto de minhas partículas perdidas no tempo? Lizandra Souza.

O Cadáver

Collective Invention (1934) -  Rene Magritte   Definitivamente, ela estava morta. Seu corpo, gelado e inerte, tinha uma aparência sombria e, ao mesmo tempo, piedosa. Suas pernas, antes grossas, agora, estavam finas e esticadas.   Toin, olhando o cadáver de Matilde caído no chão do banheiro, sentia remorsos por tê-la matado. “Um ato cruel e banal, não havia necessidade de tal selvageria. E agora? Eu voltarei a ser um velho sozinho...”, pensava e chorava por tomar consciência de ter matado sua única companheira e amiga de todas as horas.   Toin era um velho solitário e carrancudo, morava numa pequena cidade do interior do Ceará. Por causa de seu gênio difícil, nunca tivera amigos. Toin, há quarenta anos, tinha chegado ao Ceará, sem família, sem intenção de formar uma, sem grandes posses, e de lá para cá permanecera sozinho.   Até que, há cinco meses, Matilde apareceu em sua vida, ou melhor, em sua casa. No princípio, isso incomodou bastante ...

Fuga...

Vladimir Kush: Departure of the winged ship Vou fugir, vou fugir! Quero me encontrar Quem sabe outro lugar? Daqui eu quero sair. Vou fugir, vou fugir! Preciso me esconder Para me encontrar... E longe daqui me perder. Vou fugir, vou fugir! E como o feliz passarinho Voltando ileso ao seu ninho Eu vou voar, vou voar. Vou fugir, vou fugir! E tudo eu posso fazer, Até um infinito amanhecer Não deixando o sol ir. Vou fugir, vou fugir! E um golfinho eu vou ser Se lá no fundo do mar, Poseidon eu encontrar. Vou fugir, vou fugir! E em outro lugar Eu vou brincar De o impossível transgredir. Vou fugir, vou fugir! Quando o firmamento alcançar, Com a lua eu vou me vestir, Para com a estrela Naos dançar. Vou fugir, vou fugir! Para dentro de mim... achar Quimeras de um lugar Que só eu posso traduzir. Vou fugir, vou fugir! E a imaginação rabiscar No papel um lugar Que não se possa medir. Vou fugir, vou fugi...

Saudade do sorriso do seu olhar

The Starry Night (1889) -  Vincent van Gogh. Sinto saudade do sorriso Carinhoso do seu olhar, Que discreto e silencioso, Acolheu-se a descansar. À noite, eu procuro no céu olhar Um brilho de estrela que me conforte, E vejo, cheio de ternura, seu olhar sorrindo meigo. Anseio então a sorte De com meus braços poder alcançar, Em vão, um terno, último, abraço, Que você não teve tempo de me dar. Insistente fecho os olhos. Abro o coração. Tenho sua imagem guardada nesse espaço. E nele você permanece com infinda duração. Lizandra Souza.

Quimera de um coração duplo

Eram dois velhinhos Nessa caminhada incógnita De indefinida duração. Eram dois amigos De uma vida que se completa Dividindo um duplo coração. Eram duas almas gêmeas, Feitas na mesma medida, N ascidas de um mesmo amor. De mãos dadas, Viajavam pela vida, Ela delicada, ele sonhador. Eram dois corações, Que caminhavam sempre juntos, Numa mesma direção. Até que finda uma das pulsações, Eles, unidos, foram separados... Ele apagou a luz do olhar, ela à do coração. E nessa misteriosa vinda e ida, Olhando o céu, ele viu Que nem tudo tem explicação. Pois, certa estrela linda, Lhe sorriu Bem no fundo do coração. Foi então o reencontro De um duplo coração, Que pulsava de saudade. Eles sorriram um para o outro, Era o fim da separação. À noite, com aquela estrela, ele fez amizade... Lizandra Souza.

Sem ti, juro que senti!

Pintura: Separation/Separação (1896) - Edvard Munch Cinza, a noite desmorona Imergida por uma condolência Cheia do tormento que coleciona Atormentando-me a existência, Por estar sem ti. Eu, agora, Mergulho nessa confidência E eu juro que senti aquele sentimento Que recusei por minha prudência Por medo de descontentamento. E como abrandar essa dor De sentir sem ti? E agora, Minto se não te confessar, Minha angústia, nesse isolamento. Nessa noite que desvanece, Fria e impetuosa, Eu quero vozear meu pensamento, Daquele sentimento adverso Que neguei e que permanece. O ar, irreverente e áspero, Vai levando consigo as folhas, (Que, outrora, você me escreveu,  com exagero), Arrancadas e soltas, Nessa noite cinza, Elas vão ruindo no chão, ranzinzas, Em vão, esperando findar-se o desespero Que não me deixa mentir Toda dor que senti, Nessa incoerência sem ti. Noite de dolência, (Sua falta faz-me falta) Não deixa o ...

Alma Isolada

La Toilette (1896) de  Henri de Toulouse-Lautrec Meus olhos ardem. Visão dupla de uma dor, indivisível e secreta, de uma alma isolada. Olhar de abismos que ressoam chamas de uma angústia não revelada para ninguém. Luz e escuridão, duplos que desabam diante de mim. Somente eu posso ver. Somente eu posso sentir. V ocê poderá mirar meus olhos, mas eles ficarão em silêncio, para que você não mexa com a minha dor. Você verá uma ilusão e não compreenderá minha alma isolada. Você só vê luz? Meu olhar é uma luz cinzenta de uma melancolia oculta. Alma isolada por um abismo insondável de uma dor que não desvanece. Eu não posso te fazer ver. Eu não posso te fazer sentir. Somente eu posso ver dois de mim. Alma isolada! Eu silencio o que não posso confessar que é dor... Minha dor permanece tão só em minha alma. Você só vê luz! V ocê só vê luz.   Lizandra Souza.

Devaneio onírico de um alienado

O Sonho (Pierre Puvis de Chavannes, 1883) “O incêndio que atingiu o escritório de advocacia Dr. Estácio Menezes e Cia. nesta manhã do dia 13, sexta-feira, no bairro Aldeota, em Fortaleza, não deixou feridos. O fogo foi percebido depois que uma fumaça preta começou a sair da porta da sala de um dos sócios.” Augusto, aflito, relia, pela trigésima vez, na tela de seu computador, o trecho de uma notícia sobre um pequeno incêndio que ocorreu nesta manhã, em seu trabalho. “Era para eu ter morrido, ainda bem que fiquei em casa... ah, amanhã eu quero ver a cara do Paulo, da Marta, do Antônio e dos outros quando eu explicar que não fui ao trabalho hoje porque sonhei que iria morrer neste dia, ah, agora quero ver se eles ainda vão rir ou fazer avacalhações com minhas superstições...”, pensava, desvairado. *** Augusto, desde criança, acredita no poder e nas revelações dos sonhos como premonições ou avisos celestiais, isso desde o dia em que ele sonhou que estava fazend...

Devaneio interstelar de uma existência finda

Pintura:  Sorrowing Old Man ('At Eternity's Gate') - Van Gogh Sinto anseio de meus antigos sonhos agora alheios neste tempo neste nada que se esvai e que me aprisiona numa armadilha ilusória que me cega que me leva a ser o não-ser e a ver o ser que eu não serei nunca mais! A tarde cai estranha e prematura cheia de tudo c heia de dor. Deixando comigo a condolência de uma existência tarde e equivocada. Eu sou as lembranças do que fui e o receio do que serei. As manhãs já não me fazem renascer. As tardes já não se importam com meu triste viver. E as noites, fugazes, esperam o meu desfalecer. Eu sou o ser e o nada. Eu serei a impotência da ausência do meu verdadeiro ser. Mas serei também poeira cósmica e minhas partículas deixarão vestígios no espaço galáctico dos meus devaneios mais secretos. E então eu serei silêncio? Invisível de mim mesmo. Longe do que fui do que sou ...